Ser gordo é crime, ser magro é privilégio, mas será que existe magrofobia? Quem é vitima de pressão estética?
Olá pessoas amadas! Mais uma segunda-feira, mais um post na categoria Desconstruindo. Desconstruir não é fácil, requer muita vontade e muita leitura, mas é possível em qualquer idade, classe e gênero. Nunca é tarde demais para desconstruir!
Eu comecei meu processo de desconstrução em 2015, quando entrei para um grupo no facebook cheio de "militância". No começo muitas coisas eram chocantes pra mim e eu acreditava que muita coisa la era "mimimi" (inclusive fiz um post semana passada falando sobre a cultura do mimimi). Mas eu fui ficando no grupo e lendo, debatendo, até que comecei a desconstruir vários pré-conceitos que aprendi ao longo da minha vida na sociedade atual em que vivemos.
Um dos temas mais difíceis para mim foi a gordofobia e como não existe magrofobia. Isso é um fato que pessoas magras, como eu, precisam entender.
Nas discussões sobre gordofobia, muitas meninas magras entendiam que gordofobia era o preconceito com pessoas gordas, portanto se você sofreu preconceito por ser magra existia a magrofobia. Porém, não é bem esse o raciocínio. Vou começar explicando do mais amplo e ir afunilando para você entender que não existe magrofobia em uma sociedade onde se existe gordofobia.
Pressão estética
Vivemos em um mundo onde a mulher sofre o tempo todo com pressão estética e isso sim, todas nós sofremos. Cor da pele, textura do cabelo, formato do nariz, barriga, bunda, peito, tudo, absolutamente tudo do nosso corpo tem um formato "ideal". Nós sempre vamos conseguir encontrar defeitos nos nossos corpos, graças à pressão estética. Meninas magras e gordas sofrem por pressão estética. A magra é magra demais, a gorda é gorda demais. A magra não tem peito grande (raramente), bundão, mas pode ter uma barriga seca. A gorda costuma ter peito e bumbum, mas não tem a barriga seca. E se elas forem narigudas? Sem boca? Com cabelos crespos? Negras?
Eu sou magra mas já coloquei silicone e fiz uma rinoplastia, além de ter passado anos alisando meu cabelo e me matando na academia para ter definição muscular, quem sabe até um bumbum né? Eu, assim como 99% das mulheres, sou vítima sim de pressão estética.
Ou seja, a pressão estética vai muito além do peso da pessoa, ela se trata de um padrão ideal constituído por uma certa sociedade/cultura que todas mulheres se sentem na obrigação de seguir. Então agora vou te explicar o que é gordofobia.
Gordofobia
A gordofobia é uma das consequências de toda essa pressão estética, porém vai além do que você acha de errado em você, mas sim como a sociedade responde à sua aparência. Cuidado! Não estou falando de body-shaming (quando ofendemos uma pessoa por sua aparência), mas sim da maneira como no dia-a-dia pessoas gordas não têm os mesmos direitos que pessoas magras. Caso você não tenha entendido muito bem, vou listar algumas situações. Eu, por ser magra, não sou a melhor pessoa para montar essa lista, por isso pegue um trecho do livro "Pare de Se Odiar" da jornalista e ativista - gorda - Alexandra Gurgel:
Não caber no assento no avião; ter que pedir um extensor de cinto
Não poder ir com os amigos ao bar para onde eles chamaram porque a cadeira que eles usam no estabelecimento é de plástico e você tem medo de quebrá-la;
Não ter a oportunidade de encontrar uma roupa de caiba em você em um shopping, por exemplo, pois as marcas mais populares não fazem tamanhos maiores;
Entalar na catraca do ônibus ou metrô e ainda ter que ouvir piadinhas e passar pelo constrangimento de pedir ajuda;
Estar grávida e não ter uma maca no hospital que caiba você, apenas a da cirurgia bariátrica;
Ser tratada como "homem" pelos homens, ser descaracterizada como uma mulher desejável e servir apenas de lanchinho da madrugada, fetiche;
Ir ao médico para tratar o joelho e sair do consultório com recomendação de cirurgia bariátrica, como se fosse um remedinho;
Todo mundo achar que, pelo fato de ser gorda, você está tentando emagrecer. O corpo gordo se torna alvo de comentários como se fosse domínio público.
Ter que ouvir de todos os lugares, pessoas e até dos espaços públicos: emagrece que resolve.
Esses são os pontos que ela lista no livro dela, "Pare de Se Odiar", mas acompanhando as redes sociais de Alexandra eu mesma consegui pegar alguns outros pontos que ela me ensinou. Momentos em que nós, magros, praticamos gordofobia. Bora la?
Falar "é tão linda, seria mais bonita se emagrecesse".
Receber uma pessoa gorda em casa, já presumir que ela está com fome e sair oferecendo comida.
Demonstrar pavor por engordar.
Usar a palavra "gorda" como um termo pejorativo (xingamento).
Falar "gordinha" como se quisesse apenas descrever o corpo da pessoa sem ofendê-la, sem chamá-la de "gorda". (Por que ser gorda é uma ofensa?).
"Gordo faz gordice".
Se chocar ao ver uma gorda usando biquini.
Dizer para uma pessoa gorda que ela precisa emagrecer por causa da saúde dela.
É uma longa lista, de verdade. Eu não sou gorda, mas desde o começo da minha desconstrução venho mudando as coisas que falo e que penso que propagam gordofobia. É inevitável, crescemos em uma sociedade onde pessoas gordas não são aceitas. Mas precisamos fazer nossa parte.
Não existe 'magrofobia'
Me diz, se você cara leitora (ou leitor) é magra/magro, você já sofreu algum daqueles preconceitos acima por ser magro(a)? O que você sofre é pressão estética, isso sim. Mas a magrofobia não existe. Se não fazem tamanho abaixo de PP em uma loja, você pode apertar na costureira. Usam a palavra "magra" para te elogiar. Ninguém nunca te disse "magro faz magrisse". Ninguém nunca te olhou torto por usar um biquini. Ninguém nunca postou uma dieta milagrosa para você não emagrecer. Você nunca foi no médico com problema no joelho e ele te mandou engordar uns quilinhos. Você cabe nos assentos no ônibus, avião, montanha russa. Você não tem que ficar se justificando dizendo que é saudável sim. A sua vida, como pessoa magra, não é difícil por você ser magra. Seu peso não altera sua rotina diária, o que você faz ou deixa de fazer.
Magro é saudável, gordo é doente
Eu gosto muito de usar um exemplo para provar a falsa simetria do gordo que não é saudável e do magro que é. Na imagem acima, você vê uma mulher gorda comendo um pedaço de pizza e uma mulher magra comendo uma caixa de pizza. Quando vemos uma magra comendo a pizza inteira, pensamos "queria ser ela, poder comer uma pizza e não engordar". Quando vemos uma gorda comendo sequer um pedaço de pizza pensamos "quanto desleixo" ou "ta explicado por que é gorda". Ou seja, comer pizza sendo magra é desejado, mas sendo gorda é um defeito, um problema. Você não vê uma pessoa magra comendo pizza e se "preocupa" com a saúde dela. Então por que você diz que se preocupa com a saúde do gordo?
A parte que mais pegava para mim era a questão da saúde, porque eu associava pessoas gordas com pessoas não-saudáveis. Mas olha só que engraçado: eu tenho um pai considerado "acima do peso" com todos exames em dia. Ele pratica atividade física, come na maioria do tempo saudável e ainda assim pesa 100kgs. Já meu namorado, sempre foi magro. Ninguém nunca se preocupou se ele tinha colesterol alto. Ele comia hamburger, doces, fritura e ao invés de alguém perguntar "será que não é muita gordura para o seu fígado?" apenas diziam "nossa que inveja".
Pois bem, ele fez exames de sangue um ano atrás e descobriu que seu colesterol estava altissímo. Sendo magro. E se ele acreditasse que somente pessoas gordas têm colesterol alto e nunca fizesse o exame? Meu pai come mais saudável que meu namorado e pesa quase 30kgs a mais, com exames melhores. Mas as pessoas se preocupam com pessoas como meu pai, não como meu namorado.
Não tem a ver com o peso, tem a ver com o que está rolando la dentro. Se você for ver aquelas dietas super restritivas para emagrecer, onde que está a saúde naquilo? As pessoas não querem que o gordo seja saudável, elas querem que o gordo seja magro.
Todos nós comemos fast food, todos nós gostamos de um docinho. Nossos metabolismos são diferentes e a maneira como os nossos corpos respondem são diferentes. Isso nos torna doentes?
Transtornos alimentares
Falando sobre saúde, eu não poderia deixar de lado os transtornos alimentares. Em uma cultura onde a sociedade rejeita, menospreza, exclui pessoas gordas e enaltece pessoas magras, nada mais óbvio do que o surgimento e crescimento dos transtornos alimentares. A comida se torna o maior inimigo, mas é a toa? Não seria essa uma pressão enorme em cima da pessoa gorda para se tornar magra?
Ninguém passa fome por prazer. Ninguém vomita a comida por prazer. Ou se culpa por prazer. A pessoa não nasce se odiando, odiando seu próprio corpo, isso é construído por uma sociedade gordofóbica. Não basta ser normal, tem que ter a saboneteira a mostra e uma barriga negativa. Enquanto continuarmos excluindo pessoas gordas e praticando gordofobia, os transtornos alimentares continuarão presentes.
Para uma pessoa se tornar anoréxica ou bulemica é porque não conseguiu emagrecer o suficiente. O transtorno alimentar não é tão simples e eu não sou psicologa para te explicar como ele funciona. Mas de uma coisa eu tenho certeza, ele é resultado e uma sociedade gordofóbica. Então eu repito, onde que magreza é sinônimo de saúde? Por que não podemos incentivar os hábitos saudáveis ao invés de incentivar o emagrecimento?
Por que as propagandas não podem ser "diminua o valor do seu colesterol" ao invés de "perca 10cm de cintura"?
Mais uma coisa: existe um transtorno alimentar para quem odeia ser magra e quer engordar? Eu desconheço.
O que podemos fazer?
O primeiro passo é desconstruirmos essa gordofobia que existe dentro de nós. Eu recomendo que você acompanhe influenciadoras e influenciadores gordos, vai no próprio perfil da Alexandra Gurgel no instagram (@alexandrismos). Lá ela vive postando vídeos explicativos. Ela também tem o instagram @movimentocorpolivre, onde você pode ver várias nutricionistas e profissionais da área da saúde comentando sobre ser saudável vs. ser magro, além de sempre baterem na tecla da pressão estética.
O segundo passo é ter empatia. Respeitar suas amigas gordas, apoiá-las. Se elas quiserem emagrecer, ta tudo bem também. Somos todas vitimas dessa pressão estética. Mas seja amiga, converse com ela, não alimente o ódio dela pelo próprio corpo. Não fique incentivando que ela seja magra, apenas apoie suas decisões. O corpo é dela e o lugar de fala é dela, cabe a você respeitá-la de qualquer maneira e auxiliá-la a tomar decisões saudáveis, ajude-a a não odiar comida e cair em transtornos alimentares.
Em resumo, estou falando para você ser mais inclusivo(a) com as pessoas gordas, parar com o preconceito. Você não consegue mudar o assento do cinema, mas você pode parar de usar "gordo" como xingamento. Você não consegue comprar uma maca nova para um hospital, mas consegue parar de incentivar sua amiga gorda a emagrecer. Procure também amar seu corpo, tratá-lo com carinho. Não entre em neuras calóricas, não tenha medo de não ser magérrima. O seu corpo é seu meio de transporte e seu melhor amigo, então trate-o com amor.
Você vai ficar a vida inteira com este corpo, independente das mudanças que ele for sofrer. Por isso digo, ame-o e aceite-o. Não é fácil gente, não mesmo!
Eu estou nessa luta de me amar e de realmente me aceitar. Amar cada dobrinha, cada pintinha, cada furinho de celulite. Nós fomos ensinadas a nos odiar e todo dia a mídia quer mais e mais que nos odiemos, mas precisamos parar com isso. Nosso corpo é nosso lar, independente de onde estejamos. Eu não sou nenhuma expert no assunto, mas quero ser um portal para aos poucos mudar e desconstruir esses pré-conceitos que temos. Se você tem algo para acrescentar no post, comente abaixo! Toda segunda-feira posto aqui na categoria Desconstruindo, porque sinto que como comunicadora é meu dever falar sobre assuntos atuais e relevantes. Para não perder nenhum post novo, é só assinar aqui na newsletter.
Espero que eu tenha sido clara o suficiente durante a postagem e que eu tenha feito você refletir um pouco hoje. Tenha uma ótima semana e até o próximo #desconstruindo.